Revista Mix

A vontade de Shopenhauer, o desejo pelo poder e o tropeço

Uma breve explanação sobre o instinto e o intelecto

A vontade, segundo Shopenhauer, é uma energia cega, irracional e incontrolável, existente em qualquer lugar que haja vida, na busca pelo direito de existir, poder e domínio. Reproduzindo embates ferozes por sobrevivência, reprodução e estabelecimento de força, desde os organismos unicelulares à imensidão do cosmo. Sugere de longe, haver uma regra universal à existência de qualquer ser, do qual nem mesmo a humanidade provida de intelecto é capaz de duelar.

Em tempos de escolhas e mudanças, mesmo a sociedade humana, de certa forma organizada e evolutiva, curva-se aos designíos instintivos na potência da vontade de existir e coexistir, estabelecidos pelos genes através das gerações. Quando Shopenhauer diz que a vontade é cega, podemos traduzir que dentro de cada DNA há um código impresso, uma programação cuja vontade de sobrevivência está acima do querer humano, e essa potência impulsiona-o à disputar o direito pela vida, à reprodução e ao domínio de forma tão natural, quanto é possível nem pensar sobre, em detrimento da existência alheia.

Sendo assim, traduz-se à reflexão o instinto, o fado humano de reagir ao que o cerca, seguindo natural e automática de variadas formas a programação do genes, seja pelo desejo de poder, ou por alimentar a potência que conduz a vontade. Esta última caracterizada pela percepção subjetiva da experiência interpessoal do homem desde o nascimento. Não à toa, a teoria do “eu” é abordada no livro do autor Richard Dawkins “O gene egoísta” de 1976, a temática sugere que os organismos consistem em máquinas de sobrevivência, moldadas através dos tempos, que selecionam os melhores genes. O egoísmo é uma maneira simples de explicar a programação do código genético mediante a vontade de existir primeiro, ou sobreviver, ante a existência do outro.

Paradoxalmente o intelecto de onde provém a capacidade de organizar pensamentos e praticá-los através de conceitos, não somente se rende aos instintos primitivos inerentes à programação, bem como pode potencializá-los ao ponto de deturpar a percepção humana sobre a realidade que o cerca. O ego se torna soberba, o egoísmo vira narcisismo, podendo chegar ao ponto de sadismo e maquiavelismo; e a luta/busca natural pelo poder transforma-se em ganância. Com certa frequência assustadora acontece na sociedade, sem a observância, muitas vezes de quem pratica. Na obra “Religião, no limite da simples razão”, Emanuel kant argumenta:

 “Pode-se dizer então que essa energia quando potencializada torna-se uma carga negativa à disposição da brutalidade da natureza, vícios bestiais que só podem ser despertados em sociedades na ausência ou na fraqueza da lei. E nasce do amor de si mesmo à necessidade de ter algum valor perante o outro, o desejo de ser igual e não conceder a ninguém superioridade sobre si, com receio de que isto possa acontecer. Dessa percepção gradualmente o desejo injusto de adquirir para si essa superioridade sobre os outros se agiganta, o qual produz inveja e rivalidade que podem implantar os maiores vícios de hostilidade secretas ou abertas contra todos os que para nós consideramos estranhos. A disposição para não cair à tentação de estímulos externos provocados pelo meio, deve ser a reverência à lei, através do sentimento (que Kant procura evitar como algo maligno da natureza, inato) na lei do arbítrio (livre agência). A máxima dessa lei moral não vem do desejo de vê-la cumprida, pois incorre no bem que não é digno de si, embora seja um movimento para tal, e, sim, deve a máxima estar inserida de uma forma que não necessite de desejo, vem apenas do cumprimento natural, em que nada de mau cabe enxertar. Conceito definido na ideia da lei moral, não como disposição à personalidade; mas é a própria personalidade (ideia da humanidade considerada de modo plenamente intelectual)”.

Segundo o autor, somente o intelecto é capaz de produzir vícios bestiais na fraqueza ao cumprimento da lei ou da moralidade. Visto que a busca pelo poder tende a consumir o indivíduo quando a energia não se esgota no objetivo final da sua realização, isto é, a exemplo quando o trabalho exercido gerou um poder em dinheiro, mas insatisfeito, o indivíduo quer mais, podendo perder o senso da razão crítica e ferir tanto a moralidade quanto a lei, buscando caminhos e estratégias torpes para realizar seu objetivo. Nesse parâmetro o conceito “poder” recai em diversos objetos que provocam superioridade ou sensação de superioridade: um cargo, a fama, a influência, etc…

Eis o momento contraditório da razão, pois sob a desculpa de racionalidade, o indivíduo cai nos desígnios de outra vontade cega, deturpada pelos sentimentos que são criados somente porque há intelecto. De outra maneira, o inverso é impossível de forma natural, pois um animal carnívoro não extingui outra espécie, se não por força artificial ou por causa do intelecto. E somente o homem é capaz de extinguir outra espécie do planeta, como já ocorreu.

Cabe aqui elencar que a vida em sociedade cria esses desarranjos quando o indivíduo tropeça nas mazelas do sentimento individualista aliado a busca pelo poder, pois são direcionadores da vontade. O sentimento alimentado pelo indivíduo traça o caminho que a vontade deve seguir e o objetivo final. Se estão sob a observação da moral e da lei, a sociedade tende a prosperar em longo prazo. Quando não estão alinhados a observação da moral e da lei, seguem o desespero e/ou cegueira, ou pela própria estupidez, ou por acreditar na estupidez alheia.

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