Em meio à Guerra Cultural em que vivemos, conflito engendrado por grupos políticos os mais diversos que, em aliança espúria com boa parte dos próceres da grande mídia, indústria do entretenimento, redes sociais e diversos outros segmentos, vem tornando o mundo um imenso manicômio, é de extrema importância, fundamental mesmo, mantermos o foco firme na realidade, irmos além do senso-comum e atentarmos para a lógica das coisas, para o cerne das coisas, para a natureza intrínseca de cada coisa. Só assim é possível, daquilo que nos vem sendo lançado, perceber com clareza o que é coerente e o que não passa de indução à loucura, de modo a reagir, agora com conhecimento de causa, aos ataques dos inimigos, entes esses que intentam gerar o caos no mundo como meio de dominação. Da compreensão do que é real e verdadeiro depende se continuaremos, cada um de nós, a seguir na vida condutores da própria existência ou, bonifrates do circo ideológico, tornaremo-nos escravos.
Quando vamos ao âmago do que nos cerca, bem como, e particularmente, da nossa própria natureza humana, conseguimos ver o mundo com mais clareza, passamos então a interpretar cada um dos ardis das mais variadas ideologias, imundícies essas despejadas nas nossas cabeças como se ações inocentes fossem, dia após dia. Em outras palavras, é ao dispor do raio-X da doença que passamos a ter como providenciar a cura.
Importante registrar que o observar com atenção o que nos cerca para então obter uma compreensão mais profunda do mundo, é algo que requer método, disciplina, estudo. Política é ciência complexa, que não se aprende, como se diz, “no chute”, aleatoriamente. Tentar capacitar-se apenas com os próprios erros e considerar que por isso já sabe o suficiente, equivale a alguém que, por trabalhar há muito tempo em um açougue, reputa-se então capaz de exercer a profissão de cirurgião cardíaco. O resultado é desastroso!
Especificamente sobre a Guerra Cultural, o primeiro passo, ponto de partida para compreendê-la, conforme demonstrarei no decorrer desta explanação, está em alcançar o real significado da expressão “direita versus esquerda”, que surgiu quando da Revolução Francesa, e que é usada atualmente como referência para os mais diversos embates políticos. O não entendimento das entranhas desse conceito é como pegar o bonde andando, sem saber origem ou destino.
O fato é que, fora do contexto histórico em que surgiu, oposição entre girondinos e jacobinos na França revolucionária, em que, na Assembleia Nacional, um grupo, defensor da monarquia então vigente, mais moderado, sentava-se à direita, enquanto o outro, revolucionário, ocupava a ala oposta, a dicotomia “direita versus esquerda”, ao ser usada, fora desse cenário de origem, como referência agora para antagonismos políticos de modo geral, é em si uma locução confusa, pobre de significado: indica apenas a existência de um conflito entre dois lados, sem, entretanto, esclarecer coisa alguma sobre a característica de cada lado. Essa ambiguidade acaba por levar a multidão a uma pseudo neutralidade, como se o que estivesse em curso fosse tão somente um embate político no campo das ideias, entre atores que apenas pensariam o mundo de modo diferente, sentimento que não corrobora com o que ocorre de fato. Além disso, torna possível que a chamada “esquerda”, de modo sorrateiro, aponte como sendo da “direita” absurdos vários, a exemplo de fascismo, nazismo etc., algo que, conforme veremos, é também completamente falso e nos traz prejuízo imensurável.
Michael Oakeshott, na obra “A Política da Fé e a Política do Ceticismo”, lança uma luz sobre o que, politicamente, seja uma coisa e outra. Segundo aponta o filósofo inglês, de um lado estão os ideólogos, que têm fé cega na sociedade perfeita, construida a partir da teoria deles próprios, e buscam então uniformizar o mundo consoante suas visões utópicas, enquanto do outro se postam os conservadores. Esses últimos, céticos quanto à eficiência do artifício humano que não passou pelo crivo do mundo real, bem como, cientes do perigo que tais especulações representam, se opõem à prática abrupta e inconsequente, preferindo a prudência da evolução, lenta, gradual, sem ruptura com o passado, baseada na experiência humana.
Sobre esse assunto, um outro pensador, Russell Kirk, afirma: “O conservador pensa na política como um meio de preservar a ordem, a justiça e a liberdade. O ideólogo, pelo contrário, pensa na política como um instrumento revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo transformar a natureza humana. Na sua marcha em direção à Utopia, o ideólogo é impiedoso”.
O termo “conservadorismo”, como conceito político, surge em Edmund Burke, que o define como “Um princípio seguro de conservação e um princípio seguro de transmissão, sem excluir um princípio de melhoria”. Em outras palavras, compete a um conservador ser o guardião da experiência humana já conquistada, bem como buscar, muito cuidadosamente, adicionar alguma contribuição evolutiva que caiba ao seu tempo, transmitindo então, à geração seguinte, todo o legado de conhecimento e conquista. Assim, temos, de um lado, a prudência do conservadorismo, do outro, a precipitação das ideologias, todas elas.
Ao contrário, portanto, do que, por ignorância ou má fé, dão a entender autores de outras vertentes, o conservadorismo não se constitui uma maneira inédita de ver o mundo. Burke, ao cunhar a expressão, não apresentou uma teoria ideológica de mundo novo; em vez disso, o fez por observação precavida, como forma de se contrapor aos distúrbios levados a cabo, naquele momento, na França revolucionária.
Outro equívoco recorrente é o de que um conservador seria quem, meramente, sentiria saudade de uma época em particular, ou apego à manutenção de um status quo político específico, sem se importar com a lógica do objeto de sua simpatia. O conservadorismo prima pela evolução contínua do conhecimento, pela prudente manutenção do que a humanidade, a duras penas, já testou e aprovou, assim como pelo aprendizado quanto ao que aboliu por não passar no confronto da realidade, de modo a não repetir o engano. Destarte, não assume, um conservador, qualquer compromisso com a estagnação, tampouco com o erro.
Poeticamente, o enunciado a seguir, atribuido ao humanista medieval Bernardo de Chartres, antecipa, em relação a Burke, o sentimento conservador: “Somos como que anões montados em ombros de gigantes, e podemos ver mais e ver mais longe do que eles; não pela acuidade do olhar, ou pela eminência do corpo, mas por sermos erguidos ao alto pela magnitude de tais gigantes”.
Na polarização “direita versus esquerda”, o conservadorismo consiste, por prudência, na defesa daquilo que, reconhecidamente, é verdadeiro e lógico. Tudo o mais, seja qual for a ideologia, incluso o que progressistas e afins, por má-fé, costumam apontar como de “extrema direita”, é, na realidade, esquerda.
A respeito desses dois polos, a filosofia hebraica vai além, deixa claro, sem restar qualquer sombra de dúvida, não apenas do que se trata. Demonstra, de maneira cabal, o que move cada agrupamento. Se não, vejamos:
Conforme ensina o Sefer Torah (Livro da Instrução – cinco primeiros tomos da Bíblia, base do surgimento da civilização hebraica), o universo é regido por leis imutáveis de causa e consequência, conforme vontade do Todo-Poderoso, Criador de todas as coisas. Assim, a verdade sobre as coisas não está na opinião de A, B ou C, mas externo ao intelecto do indivíduo, na natureza da existência de cada coisa. Cabe-nos, portanto, observar com atenção coisa a coisa, e assim fazê-lo com um olhar sereno, de espírito isento, despido de paixões, confrontando sempre, à exaustão, a abstração com a realidade. Só assim conseguimos obter conhecimento da verdade inerente a cada coisa, bem como da relação dessas leis umas com as outras. O mesmo vale para nossa própria essência, humana, uma vez que somos, também, criaturas. Tudo o que não é fato, ou seja, tudo o que não é lei suprema atribuida, é ilusão, produto da nossa fantasia.
Vale ressaltar que, em meio a isso tudo, saber quem somos, conhecer as leis que regem nossa natureza, é fundamental para estabelecer uma ordem justa, verdadeira, que garanta relações humanas equilibradas, imperativo para uma vida livre e pacífica, em que possamos exercer nossa existência em plenitude.
O que isso tudo tem a ver com a expressão “direita versus esquerda”?
Sobre nossa essência, o ser humano não se repete no tempo, tampouco no espaço. Ao contrário das bestas, em cada parte do planeta nos organizamos socialmente de forma distinta, e em cada momento da História também entabulamos mudanças, o que não ocorre com o bicho, irracional, de tal modo que a águia, o cão, a serpente, a pomba etc., agem cada qual conforme e apenas manda o instinto de cada espécie, e o faz por ato reiterado, automático, não importa quando ou onde, adequando-se tão somente ao ambiente, ao passo que ao ser humano pertence o decidir individual, de acordo com o intelecto e o livre arbítrio de cada um.
A nós, pois, é atribuido mérito ou demérito, honra ou desonra, enquanto que aos bichos tais atributos não podem ser imputados. Conhecedores do bem e do mal, nós, humanos, temos assim, conscientemente, inclinação tanto para o bem quanto para o mal, portanto temos que escolher, racionalmente, entre uma coisa e outra, ao longo da vida, o tempo todo, conforme desejos de cada indivíduo.
Eis aqui o âmago do conflito: o que se convencionou chamar de “direita versus esquerda” é, na verdade, a guerra entre o bem e o mal, entre a verdade e a mentira, entre a virtude e o vício, conflito que, importa esclarecer, começa individualmente, dentro de cada um de nós, que temos, dia após dia, em recôndito d’alma, que fazer nossas escolhas, pacificar nossa consciência, vencer nossa inclinação para o mal, insistindo em seguir no caminho virtuoso do bem. Vencida essa etapa, a guerra então se expande para a engrenagem humana como um todo, quando então passamos à missão de, congregadamente, impedir o avanço do mal, sempre que esse se manifesta.
As loucuras que vemos no mundo, portanto, não emana de mera divergência de opiniões, mas de uma guerra entre aqueles que, movidos por vaidade extrema, sentindo-se então supra-humanos e sem limites, opõem-se à vontade divina, empenhando-se, doravante, seja pela força bruta ou pela astúcia, em vergar a humanidade inteira à vontade deles próprios, e os que, embora humanos falhos, ainda assim decidem seguir em conformidade com as leis do Criador.
É da vaidade humana que brotam todas as ideologias, bem como a ideia de império, em que um suserano empreende, por meio das armas, atentar contra a autodeterminação de outros povos. Assim, Hitler, Mussolini, Napoleão, Stalin, Nabucodobosor, Alexandre Magno etc., do mesmo modo magnatas que, hoje, encabeçam o que se convencionou chamar de globalismo, embora possam ser heterogêneos no método e no discurso, pertencem à mesma essência: a da arrogância e da vanglória. Não importa qual facção tais indivíduos comandem, e elas são muitas, o intuito é sempre o de satisfazer a empáfia que traz no ego, tomar para si o poder pelo poder, até mesmo o de vida ou morte, sobre a humanidade inteira.